Vanda Klabin é onipresente em vários circuitos culturais. Arte, gastronomia são ao mesmo tempo trabalho e prazer. Sua presença nos obriga a respostas rápidas e inteligentes. Questões fundamentais da arte contemporânea são também suas questões. Por quê? Por que ela mesma se questiona seu papel no universo da arte e no mundo. Ela estuda, pesquisa e não para. Uma velocidade motriz que até tira seu sono. Mas, Vanda Klabin se diverte, ri e ama muito o que faz. Ama seus amigos e seu companheiro mas tudo ao seu jeito.
Vamos conhecer um pouco dessa carioca que sempre está a todo vapor. Com vocês Vanda Mangia Klabin.
Me fala sobre você. Em três linhas quem é Vanda Mangia Klabin? Sou uma cientista social, historiadora e curadora de arte. Editora de revistas e catálogos de arte, coordenei várias pesquisas sobre arte brasileira. Realizei diversas curadorias de artes plásticas e sou autora de artigos e ensaios sobre arte contemporânea. Sou consultora para diversos projetos culturais. Nasci, vivo e trabalho no Rio de Janeiro.
Carioca, nascida em Ipanema, na rua Barão da Tore 657, época das praias desertas, dos terrenos baldios, da Sorveteria Morais. Virginiana, espírito inquieto, solar, vitalidade diurna e noturna, observadora atenta dos acontecimentos, amante fiel do Rio de Janeiro, curiosa, dinâmica, envolvida com diversos itens ao mesmo tempo, gosta de ser pautada pelos improvisos, de colocar em evidência o exercício do olhar , interrogar a produção da cultura .
Você foi casada com um colecionador e admirador das artes, Paulo Klabin, ele teve uma galeria que foi importante no circuito cultural carioca e lançou alguns artistas que hoje estão no topo do mercado de arte brasileiro. Por quem você se apaixonou primeiro pela arte ou pelo Paulo? Paulo e eu nos conhecemos desde os 16 anos de idade e nessa convivência aprendi muito com ele, que era muito inteligente e atento aos movimentos culturais. A Galeria Paulo Klabin foi um dos marcos no meio artístico carioca, quando ali se realizou exposições com itinerários estéticos e repertórios diferentes, como Waltercio Caldas, Tunga, Iole de Freitas, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Sergio Camargo, Iberê Camargo, Luiz Äquila, entre muitos outros.
Cada projeto expositivo era discutido exaustivamente entre nós e a minha segunda faculdade foi em Filosofia e História da Arte / UFRJ, com pós-graduação nessa área na PUC- Rio. Essa constelação específica de interesses e a forte presença da estética e da cultura contemporânea no convívio da nossa residência no Largo do Boticário/ RJ, local de nossa moradia por vinte anos, criou um acesso e um interlocução estreita com o circuito de arte.
A sua inclinação artística foi teórica ou sensitiva? Ambas , mas posso elencar muitas leituras que foram fundamentais para a formação do meu olhar como a do historiador Giulio Carlo Argan, o filósofo Maurice Merleau-Ponty, o crítico de arte Clement Greenberg, Hubert Damisch, Erwin Panofsky, entre muitos outros.
Você quer entender do processo artístico ou você quer apenas vivenciá-lo através da emoção da obra? A produção artística atual traz como característica a diversidade, seja através da pinturas, esculturas, instalações, assemblages, objetos, fotografias, mídias eletrônicas, videos ou trabalhos responsivos ao espaço e a presença decisiva de objetos. Frente ao contemporâneo, o que observamos são diferenças e singularidades.
Delinear o percurso da arte contemporânea e trazer à tona uma constelação de informações e referências dentro do qual ela se movimenta é um exercício compartilhado de discussões e solicita um olhar especializado dentro deste território ainda em disputa.
Entender esse processo artístico é fundamental. Ampliar, fortalecer, intensificar e estabelecer elos mais sólidos entre os artistas, o meio de arte e o público em geral, é o que tem norteado as minhas ações. Delinear a trajetória do pensamento artístico, compreender o processo de constituição das ideias, esse diálogo conduz a resultados surpreendentes.
O convívio social com artistas e no meio do mercado das artes te excita? O convívio com os artistas, críticos, historiadores, professores, colecionadores e todo o meio de arte, além de todos possuírem uma boa formação cultural, filosófica e literária, proporcionam um vínculo maior com outras experimentações e exercitam o nosso olhar para o fazer artístico. Diria que é uma convivência bastante enriquecedora e muitas vezes, reveladora de novas articulações.
Você tem dois filhos no que a maternidade te modificou e o que a maternidade fez você abandonar ao longo dos anos? A maternidade, é claro, tem a maior importância na minha vida. Sou mãe presente, agregadora. Mas jamais deixei de estudar ou de trabalhar por essa razão. Tenho dois cursos superiores, pós- graduação e trabalhei por mais de quinze anos em atividades de pesquisa na PUC-Rio, fui diretora de instituição e hoje trabalho como curadora independente. Bruno é economista, mas trabalha como designer de home theater e já foi corredor de automóveis, sua paixão. Alexandre também é economista, formado em Boston, morou muito tempo nos EUA e atua no mercado financeiro. A convivência familiar tem a minha casa como eixo central, lugar onde instalo o meu mundo particular, encontro um a equivalência na minha vida pessoal e um espaço ativo dos acontecimentos afetivos, familiares e estéticos.
Você vive um novo casamento há alguns anos. Você é uma mulher independente o que a fez optar pelo relacionamento a dois e você acredita no casamento no século XXI? Acredito no bom relacionamento entre as pessoas. Casei por duas vezes, sempre com Paulos, mas belas parcerias prolongadas e muito afetivas. O meu segundo casamento tem uma modalidade : cada um mora na sua própria residência , mas o encontros são permanentes e diários. Tenho uma disciplina, aparentemente, caótica, mas que funciona. A noite é o momento em que me sinto melhor, produzo mais, ouço música, escrevo, leio. Quando me dou conta, chega o amanhecer e me forço dormir um pouco, pois acordo cedo. Nunca precisei de muitas horas de sono. Sei que dormindo, produzimos vários elementos benéficos à saúde, mas, certamente, eu os produzo de outra forma.
Você acredita na individualidade acima do coletivo? Se focar o meu pensamento na questão da arte, que é um processo de conhecimento, sempre convidar ao debate e dar margem às discussões, o individual ou o coletivo, não têm um significado permanente.
Você tem se dedicado a fotografia como uma tela em que você registra seus momentos. Por quê? O meu cunhado Pedro Oswaldo Cruz é um grande fotógrafo e especialista em livros de arte Desde os anos setenta, época em que as fotos eram muitas vezes revelados nos laboratórios em casa, participei intensamente dessas reuniões com o Paulo Garcez, Humberto Franceschi, Paulo Góes, Goebel Weyne, professor da Esdi, entre outros. Ali fui cultivando esse interesse pela fotografia, sem nenhuma pretensão artística , mas pelo ato de registrar, documentar imagens que trazem a memória de episódios atrás de si ou pela alta voltagem cromática que a natureza nos proporciona a todo instante, uma espécie de luminosidade flutuante. Com o passar dos anos, essas fotos passaram a ter uma importância pelo condensamento de instantes significativos , pela gramática da pintura ali presente ou pelo tratamento dado ao cotidiano. Instantâneos, fotos de contramão, não planejadas. O pensar fotográfico está permeado pelo pensar pictórico. O meu norte é a frase do Man Ray: I do not photograph nature, I photograph my fantasy.
O que você quer mostrar? E o que você quer ver? Talvez o lendário impasse do curso incerto da vida : a tentativa de conciliar o inconciliável.
Qual é a sua luz preferida? E a sua música? Adoro as diferentes qualidades/ paletas do preto – o preto Velásquez, o preto Goya, o preto Manet, o preto Matisse, o preto Rotko, são sempre um acorde, uma pulsação luminosa, do meu ponto de vista. Adoro jazz , motivo de constante atenção na minha vida e de frequentamos há vinte anos o festival de música de Salzburg e agora o de Lucerna. Isso trouxe uma grande oportunidade de para conhecer melhor e pautar Mahler nas minhas escutas e mesclar a minha profunda admiração pelo Claudio Abbado, sobretudo ao reger a 9• sinfonia de Mahler.
Em qual espaço de arte no mundo, museu, galeria, centro cultural que você recarrega suas baterias? Não se trata de eleger um lugar específico, mas a arte, aonde quer que ela esteja representada, pode abrir possibilidades desconhecidas para criarmos associações significativas e experiências de outras áreas.
O que falta você conhecer? A originalidade hoje em dia é uma exigência. É uma membrana que se interpõe entre nós e o mundo. Falta conhecer, pois é algo que estamos sempre buscando.
Sua comida preferida e com os alimentos também se produz arte? Sou muito flexível e heterogênea na área gastronômica . O meu ritmo de expansão por vezes adquire um ritmo intenso, inclusive porque pertenço a 2 confrarias de gastronomia, que trazem novos temperos para a história da gastronomia carioca: Companheiros da Boa Mesa, fundada por Antonio Houaiss, em 1982 e A Sociedade Opaboca de Gastronomia Ilimitada, desde 2010. Pertenço ao corpo de jurados da Veja Rio Comer&Beber e ao júri Internacional que elege os melhores restaurantes do mundo, anunciado sempre em abril. em Londres – o prêmio World’s Best Restaurants, o que traz uma oportunidade, pelo regulamento, de votar em 4 restaurantes no Brasil.
O historiador italiano Massimo Montanari aponta, no seu livro Comida como Cultura, um significado cultural às elaborações gastronômicas como um fator importante para o nosso processo civilizatório. O homem se torna dono do próprio destino, produz sua comida, não depende mais totalmente da natureza, explica. Cozinho, logo existo. Passamos para o terreno da filosofia. Na história da alimentação, quando a cozinha passou a ser um espaço onde a natureza e a cultura se encontram, encontramos ali fortes elementos do território da estética.
Além de Brillat-Savarin, Proust, Escoffier,Carême, entre muitos outros que transformaram o pensar e o fazer gastronômico em arte, temos na contemporaneidade da gastronomia, uma verdadeira tessitura artística, presente na cor, textura, gesto, material ou sobreposições, através de diferentes tratamentos dados à matéria prima e no resultado final de um cardápio. A gastronomia e a arte por vezes flutuam na mesma atmosfera cromática, impulsionadas por variações tonais, composições com nuances geométricas e versatilidades gestuais alimentadas por procedimentos artísticos. São os saberes experiência da arte presentes no comando gastronômico, nos saberes da gastronomia..
Seu chef preferido? Tenho alguns de questão no “meu coração e mais próximos, como a Roberta Sudbrack, Felipe Bronze, o sushiman Luiz de Araújo, do Sushi Leblon e outros que admiro muito e a lista torna-se mais complexa pois admiro vários chefs pelo seu empreendorismo e competência.
Sua receita de viver? Cultivar a fidelidade dos amigos, da família, fatias do bom humor, muita leitura e momentos de lazer bem aproveitados.
Sua fruta preferida? Fruta -do-conde, veio das Antilhas mas só prospera em climas tropicais; pelo contraste branco /preto no seu interior; pela texturas macia/ dura; pelo seu belo desenho de escamas na casca e um sabor delicioso.
Seu drink preferido e onde tomá-lo? Vinho - branco ou tinto e a qualquer instante, mesmo um simples bate papo. Parodiando o grande escritor Jorge Luis Borges no seu Soneto del Vino,: exalta la alegria o mitiga el espanto.
A tela que você mais ama? Vou citar pelo menos duas: L’Atelier Rouge, de Henri Matisse, 1911 – hoje no MOMA / NY – considero a expressão máxima da intensidade da cor como fundamento e estrutura do real. Matisse nos ensinou a pensar pela e através da cor. As Meninas, de Diego Velásquez, 1956-1957, Museu do Prado/ Madrid, encontro ali uma obra instigante e atual, um espaço extraordinariamente complexo, repleto de questões relativas à representação e elaboração da espacialidade moderna.
Você faz parte de vários clubes e instituições qual delas tem mais de Vanda Klabin? Clubes – frequento o Country Club – meu pai era sócio desde que nasci e herdei o título dele e o Marimbás, que o meu padrasto Carlos Linhares fez parte dos fundadores do clube e costumo almoçar ou jantar toda a semana.
Instituições – a arte brasileira possui um dos maiores estoques de cultura e é território ainda em expansão e as instituições brasileiras estão desempenhando o seu papel, apesar de grandes dificuldades de aportes financeiros. Vale a pena lembrar que fui a primeira diretora das exposições temporárias de uma instituição vocacionada para a arte contemporânea – O Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Ali realizei, com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, Helena Severo, exposições de artistas que considero importantes, tais como: Mira Schendel, Antonio Manuel, José Resende, Amílcar de Castro, Eduardo Sued, Nuno Ramos e trouxe artistas internacionais como Richard Serra, Mel Bochner e Luciano Fabro.
Você tem uma legião de amigos o que todos têm em comum? Acredito que a vida contemporânea admite e requer plenamente as diversidades, as multiplicidades. Essas dissonâncias geram uma zona de turbulência bem interessante, um questionamento constante a respeito de mentes e comportamento diferenciados que muito me atrai. E encontro nas relações humanas, um território de diálogos, de liberdade de expressão e experimentações. E tem um tarefa assombrosa de tão simples: que é refazer o nosso contato amoroso com tudo o que me relaciono cotidianamente. E é no desdobramento desse trabalho que as pessoas se diferenciam e adquirem a sua singularidade.
Com osso ou sem osso? Essa antiga lenda do osso duro de roer é bem interessante. Aprecio muito os desafios, que sempre acrescentam uma nova forma de visualizar o mundo ao nosso redor. A cada desafio que venço, ganho mais substância, me fortaleço. Era uma pessoa impulsiva, agia mais por instinto; hoje, pondero.
Sexo, Amor ou Amizade qual é seu time? Amor, sexo, e amizade , nessa ordem.
Você assiste TV? O que se a resposta for sim? Sim . hoje em dia muito mais do que antigamente. Assisto a diversos programas, alguns seriados, filmes, documentários, uma diversidade muito interessante que tem me atraído muito – Globo News, Telecine Cult e o novo canal de arte – Arte 1, muito interessante. Vivemos muito conectados e a TV passou a ser um elo muito importante de informação.
Trendy or Classy qual é o seu estilo? Tenho minhas ambiguidades, mas atravesso os dois momentos.
Se você for descalça você vai a onde e se você for ao Moma com que sapato? Descalça, apenas no meu quarto ou caminhando na areia molhada da praia, perto das ondas. Ao Moma, com uma das minhas sapatilhas, absolutamente sem salto. Tanto faz a marca. Museu é para caminhar, trilhar a arte..
Com o que você sonha? Manter um olhar lento e outro fluido para a dinâmica da vida cotidiana. E gostaria muito que os dias tivessem maior elasticidade…e isso eu já busco pois há muitos anos durmo poucas horas por dia.
Foto de Luiz Garrido