Não sou uma pessoa que se lembre de fatos com exatidão. Lembro muito de sensações e emoções e guardo-as na mente e essas sensações se misturam com os fatos e assim vou tecendo minha memória afetiva. Entre meus 10 a 15 anos morei em Ipanema. Na Prudente de Morais , entre a Montenegro e a Joana Angélica. Como o mundo era outro, eu vivia perambulando pela praça, praia, rua. Claro, eu estudava, mas não muito. Minha mãe já trabalhava e eu vivia o ar de Ipanema.
Logo ali, a poucos passos de casa já existia o Teatro Ipanema e de vez em quanto eu via os atores na rua fora do teatro em seus costumes e eu adora os cartazes. Jardim das Cerejeiras, Hoje é dia de Rock, A China é azul. Uma vez o Ivan de Albuquerque, diretor do teatro me vendo por li perguntou você não quer entrar e ver a coxia. Eu pensei, coxia? Não entendi. Descemos por uma porta lateral e chegamos aos camarins e ao palco. Era o Jardim das Cerejeiras, de Tchecov. Fiquei deslumbrado, eu já tinha ido o teatro, mas não por aquele ângulo.
Em casa ainda na infância tínhamos uma empregada que entre idas e vindas no emprego trabalhou na casa de Marília Pera, na época em que ela e Agildo Ribeiro moraram juntos. Então o nome dela ecoava na minha jovem cabeça. Pêra como sobrenome. Eu achava aquilo estranho e ao mesmo tempo atraente.
Quando via Marilía Pêra no inicio vamos dizer que eu assistia TV. Ela me levava para um mundo que eu não conhecia. Não era igual as minhas empregadas e não era igual aos amigos de meus pais. Com o tempo entendi que os personagens representavam a classe média. Classe média. Entendi. Mas, isso não importa. O que quero contar é que não sei eu porque na segunda noite da primeira temporada de “Apareceu a Margarida”, de Roberto Ataíde,eu estava sentado lá logo nas primeiras filas e isso se repetiu por inúmeras vezes. Eu assistia todas as quintas e domingos e se desse para ir outro dia eu ia também.
Estabelecemos um contato visual eu e Marília. Eu sentia que ela sabia que eu estava na plateia. Isso é louco. É sim. Mas, imagina um garoto de 13 anos indo assistir um espetáculo que era para maiores de 18 anos. Mas, como eu conhecia a bilheteira, o porteiro, o diretor do teatro e também já conhecia o Rubens Correa. Conhecia de boa noite, eu era aquele garoto da vizinhança. O fato foi que eu me apaixonei por Marília Pêra aos 13 anos. Não existia nada que me fizesse mais feliz que ir vê-la surtar em cena. Era avassalador. Entendi pelo texto e pela interpretação o que era Brasil. Aquele descontrole, aquela excesso de autoridade, aquele amor, aquela rebeldia. Por causa disso, fiz Tablado, Martins Pena e CAL, mas isso é outra estória.
Assiste a tudo que era Marília Pera, depois de Apareceu a Margarida. Entendi, anos mais tarde como era dificil ser atriz no Brasil. Marília ficou ali no meu altar de divas brasileiras, ao lado de outros nomes que eu conheci e outros que não. Um dia logo após a estreia de “A Estrela Dalva” eu fui, não me lembro com quem ao camarim dela. Eu entrei era um cheiro tão forte de limpeza, de purificação e ao fundo um cheiro de chuva, mato molhado. Uma sensação fresca. Ela estava sentada com um roupão acho que um tecido atoalhado com gola de cetim branco. Eu me aproximei e falei: – Que espetáculo maravilhoso. Sou seu fã desde Apareceu a Margarida no teatro Ipanema. Ela me olhou de cima abaixo e respondeu: Eu sei. Eu a abracei e beijei suas mãos e fui embora.